O escravo Nicolau fazia parte de uma categoria bastante emblemática no mundo da escravidão: ele era um escravo-feitor. É possível imaginar o poder que ele possuía, vigiando, punindo e distribuindo benefícios de acordo com os seus próprios critérios. A fazenda era visitada regularmente pelo monge-fazendeiro, pois a propriedade pertencia à Ordem de São Bento de Pernambuco. Contudo, a gestão de fato recaía sobre as suas mãos. De fato, ele não foi o primeiro nem o último cativo a ocupar esta posição em propriedades beneditinas. Mas nenhum deles alcançou o poder de Nicolau.
Em 1812, o inglês Henry Koster conheceu o “mulato feitor”, que mereceu destaque em sua importante obra. Koster nos diz que Nicolau não conseguiu a liberdade porque os monges consideram que “a propriedade não ficaria convenientemente administrada sem a sua assistência”, mas usufruía o “conforto a que um homem de classe poderia aspirar”. Saía da fazenda sempre “bem montado, como os ricos agricultores”, sentando-se “na presença dos amos, gozando de todas as prerrogativas de homem livre”.
Em 1828, devido à morte de sua esposa (uma mulher livre), tive acesso ao Inventário dos bens do casal. Eles viviam em uma casa construída dentro da propriedade beneditina. Além de diversos objetivos de uso pessoal (adornos, joias sem grande valor, mobília, utensílios domésticos) havia alguns animais, “um partido de roça”, “uma morada de casas” e um “bem” surpreendente: nove escravos. O caso de Nicolau nos levanta muitas questões complexas e de difícil resposta. Sem dúvida, a existência deste escravos poderosos incomoda e perturba. Como este caso se enquadra nos estudos sobre Resistência? Seria uma forma de “agência”? Onde fica a luta pela liberdade? Restou a Nicolau uma vida de “quase” livre, experimentando poder, prestígio e prerrogativas vivenciadas por poucos. Mas, “contra todas as inclinações”, nos diz Henry Koster, Nicolau morre escravo.
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