MICAELA: UMA ESCRAVIZADA DE POSSES

Robson Pedrosa Costa

Em 1866, o jurista Perdigão Malheiro assim escreveu: “O escravo nada adquiria, nem adquire, para si; tudo para o senhor”. Este princípio valia para todo tipo de posse, fossem “direitos reais, desmembrações da propriedade, créditos, legados, herança”. No entanto, apesar das proibições legais, muitos escravizados acumularam bens e usufruíam de posses muitas vezes superiores a pessoas de condição livre. Em 1811, o Mosteiro de Olinda registrou a morte de Micaela. O documento não lista todo o seu patrimônio. Diz apenas que ela havia deixado “alguns bens e escravos, entre eles um João Vieira, 50 anos”. Como este cativo havia prestado bons serviços ao Mosteiro, os monges decidiram conceder-lhe a carta de alforria, gratuitamente.

No entanto, os beneditinos não tomaram para si o princípio defendido por Malheiro, reivindicando o direito de que tudo pertenceria ao senhor. Pelo contrário. Os monges se comprometeram a dar o valor do dito João Vieira aos respectivos herdeiros, “filhos da defunta”, tirando parte para o sufrágio dela. Outra cativa pertencente à Micaela também é citada. Ela se chamava Maria das Candeias. Os monges decidiram incorporá-la ao seu patrimônio, comprometendo-se também a indenizar os respectivos herdeiros da escrava-senhora.

Em 1817, outro escravo faleceu, chamado José Vieira. Neste caso, o cativo havia deixado uma dívida de 33$000 a diversas pessoas. Contudo, como havia deixado “uma negra”, avaliada em 70 mil reis, “a qual de nada servia à Religião, por não ser de serviço”, ficou acertado que um irmão do defunto pagaria valor pela escrava. Parte do dinheiro foi usado para quitar as dívidas. O restante foi distribuído aos filhos do defunto, obrigando-os a dizer-lhe “algumas missas”.

Sobre escravos com posses, ver:

COSTA, Robson Pedrosa. senhor de escravo em cativeiro: a trajetória de Nicolau de Souza, Pernambuco, 1812-1835;
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