Em 1866, a escravizada Florencia, de 22 anos, pertencente a Ordem de São Bento, recebeu gratuitamente a sua liberdade. Os monges libertaram Florencia porque ela “estava de acordo” com as novas diretrizes da ordem, instituídas em 3 de maio daquele ano. A medida estabelecia que as mulheres escravizadas com pelo menos seis filhos teriam o direito à sua liberdade. A decisão beneditina estabeleceu ainda que todas as crianças nascidas de relacionamentos ilegítimos passariam a ser consideradas legítimas, desde que as mulheres estivessem devidamente casadas. Florencia era casada com o cativo José Alexandre e mãe de quatro filhos vivos: Maria, Leonel e Cantília e Severina. Outros devem ter morrido ou conquistado a liberdade.
A nova “lei” beneditina também libertou todas as crianças nascidas a partir daquele dia, antecipando-se em cinco anos à Lei do Ventre Livre de 1871. Por isso, Severina, filha de Florencia, também foi libertada, junto com a sua mãe. A “lei” prometia ainda que os mosteiros beneditinos apoiariam as crianças nascidas de “ventre-livre”, proporcionando-lhes uma educação primária e formação técnica.
A medida beneditina visava tanto apresentar-se como grandes entusiastas da emancipação, quanto manter sob a sua tutela a massa de ex-cativos que continuariam presos às suas redes familiares ainda escravizada. A decisão beneditina de libertar o ventre foi considerada por deputados renomados como “um ato solene”, levando o imperador Pedro II há prestar homenagem à Congregação. Não seria demais dizer que os beneditinos tiveram um papel importante neste contexto, usados como exemplos a serem seguidos em acirrados debates que resultariam, mais tarde, na Lei de 1871.
Sobre este debate, conferir:
Costa, Robson Pedrosa; Roth, Cassia. “Maria Simoa, Who Birthed Twenty-Four Children”: Slavery, Motherhood, and Freedom on the Benedictine Estates, Pernambuco, Brazil, 1866–1871”. Hispanic American Historical Review, 2023; 103 (1): 65–99. Acessar